A Polícia Federal (PF) afirma, em relatório final de investigação enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), que o suposto esquema de venda de joias do acervo presidencial durante o governo Jair Bolsonaro contou com a atuação de uma associação criminosa.
O grupo, formado para beneficiar Bolsonaro, segundo o documento, participou do desvio de presentes recebidos de autoridades estrangeiras.
Ainda de acordo com a corporação, os investigados utilizaram a estrutura do Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH) para ‘legalizar’ bens de alto valor para uso privado.
O órgão faz parte da estrutura do Gabinete Pessoal da Presidência da
República e tem como atribuição o tratamento de presentes recebidos pelo
presidente da República.
O suposto grupo criminoso não utilizava sempre o mesmo procedimento para cometer os crimes, segundo a PF.
Uma das estratégias foi implementada por Marcelo Vieira da Silva, então
chefe do GADH, para situações em que não era possível a subtração direta
pelo ex-presidente devido ao fato de haver algum registro formal da
peça.
“Nesse caso, o GADH realizava uma interpretação diametralmente oposta
aos fundamentos legais e constitucionais do TCU, destinando quase a
totalidade dos presentes recebidos por Jair Bolsonaro ao seu acervo
privado, desconsiderando o valor dos bens recebidos e ampliando
ilegalmente o conceito de ‘bens personalíssimos’, abrangendo qualquer
bem de uso pessoal”, registra a PF.
Segundo os investigadores, esse procedimento foi adotado, por
exemplo, para desviar as joias que integravam os chamados “kits ouro
branco” e “kit ouro rose”, e na tentativa de desvio das joias femininas
retidas pela Receita Federal no aeroporto de Guarulhos.
Outra estratégia era simplesmente não registrar a entrega de presentes. Ou seja, “o bem poderia ser subtraído diretamente pelo ex-presidente, sem sequer passar pela avaliação do GADH”.
“Esse modus operandi foi utilizado para a subtração das esculturas douradas de um barco e uma árvore, presentes recebidos por Jair Bolsonaro de autoridades dos Emirados Árabes Unidos e do Bahrein, quando da visita oficial do então Presidente da República em novembro de 2021 e para o desvio do relógio Patek Philippe, presente recebido quando de sua viagem oficial ao Reino do Bahrein, nos dias 16 e 17 de novembro de 2021”, diz trecho do documento encaminhado ao STF.
Ao todo, Bolsonaro e outras 11 pessoas foram indiciadas no inquérito pelos crimes de peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro. No despacho encaminhado ao STF, a PF detalha o suposto crime cometido por cada um dos indiciados. Veja:
Jair Messias Bolsonaro
Ex-presidente da República é apontado como principal beneficiário do suposto esquema criminoso montado para desviar joias recebidas de autoridades estrangeiras.
No relatório final da investigação, a PF destaca uma série de provas que
liga diretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro ao desvio dos objetos.
Um dos principais pontos é a incorporação dos valores obtidos com a
venda dos objetos ao patrimônio do ex-chefe do Executivo.
O ex-presidente teria utilizado o avião presidencial, sob alegação de
viagem oficial, para enviar joias do acervo presidencial aos Estados
Unidos.
O suposto esquema também pode ter custeado despesas do ex-presidente
Jair Bolsonaro e de sua família nos Estados Unidos, acrescenta a PF.
Bolsonaro foi indiciado pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e
associação criminosa. A defesa de Jair Bolsonaro tem negado que o
ex-presidente tenha cometido qualquer crime.
Mauro Cesar Barbosa Cid
Mauro Cid foi o braço direito de Bolsonaro ao longo do governo e atuava
como chefe da Ajudância de Ordens da presidência, área responsável por
cuidar de questões pessoais do Presidente da República, como pagamento
de contas dele e de familiares.
O relatório da PF aponta que Cid participou ativamente na suposta
organização criminosa montada para desviar as joias recebidas como
presente.
Coube a Cid coordenar a recompra de presentes que já haviam sido vendidos no exterior.
O ex-ajudante também desempenhou papel fundamental para que o dinheiro
proveniente da venda das joias pudesse ficar com o ex-presidente,
segundo a PF. Cid foi indiciado pelos crimes de peculato, organização
criminosa e lavagem de dinheiro.
O advogado de Cid, Cezar Bitencourt, ainda não se manifestou após o indiciamento do seu cliente.
Bento Albuquerque
A apuração da PF teve início com a notícia de que um ex-assessor do
ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, tentou entrar no país
com um conjunto de joias sauditas dado como presente à então
primeira-dama Michelle Bolsonaro sem declará-las à Receita.
O kit da marca Chopard era composto por colar, anel, relógio e um par de
brincos de diamantes, e foi avaliado por peritos da PF em R$ 5 milhões.
Além disso, Albuquerque manteve por mais de um ano, em um cofre do
ministério, uma segunda caixa de joias entregue pelo governo da Arábia
Saudita e destinada a Bolsonaro em um cofre do ministério.
Bento foi indiciado por associação criminosa e peculato. Procurado por
telefone e e-mail, o ex-ministro não tem se manifestado sobre o assunto.
Mauro Cesar Lourena Cid
Pai do ex-ajudante de ordens, Mauro Cesar Lourena Cid foi colega de
Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), escola de
formação dos oficiais do Exército.
No governo Bolsonaro, foi chefe da Agência Brasileira de Promoção de
Exportações e Investimentos (Apex) em Miami. No inquérito, a polícia
identificou que o general tentou vender esculturas recebidas por
Bolsonaro como presente em lojas nos Estados Unidos.
Os objetos foram transportados em uma mala no avião presidencial no fim
de 2022, quando o ex-presidente deixou o Brasil. No país, o general
encaminhou, de acordo com a PF, os itens para estabelecimentos
especializados em avaliação para a cotação para venda.
Segundo o inquérito, o general ajudou na venda de um relógio Rolex,
produzido em ouro branco e diamantes, avaliado em US$ 60 mil. Foi
indiciado por peculato e associação criminosa. A defesa de Lourena ainda
não se manifestou.
Frederick Wassef
Segundo a investigação da PF, o advogado atuou na tentativa de recomprar
o material que havia sido enviado aos EUA. A movimentação ocorreu no
início de 2023, após o caso vir a público.
A PF apontou que, além de ajudar a vender, o general Mauro Cesar Lourena
Cid ajudou Wassef a recomprar o objeto depois que o Tribunal de Contas
da União (TCU) determinou que Bolsonaro o devolvesse.
O Rolex foi recuperado em março do ano passado por Wassef, que retornou
ao Brasil e entregou o bem ao ex-ajudante de ordens Mauro Cid, filho do
general.
Em depoimento à PF, Wassef afirmou que a operação de recompra do relógio
foi solicitada por Fabio Wajngarten, que também atua como advogado e
assessor do ex-presidente.
Wassef afirmou que tinha uma viagem particular para os Estados Unidos,
“onde ia reencontrar amigos e visitar parques”, quando recebeu o pedido
de Wajngarten:
"Fred, pode ir lá, compra o relógio, negocia, tenta um bom preço que vou
te devolver esse valor", relatou Wassef à PF, afirmando ser este o
pedido exato feito por Wajngarten.
Em nota, o advogado afirma que “esteve nos Estados Unidos a passeio e
a negócios”. “Fiquei no país por quase um mês, onde me reuni com
diferentes clientes, entre eles, Jair Bolsonaro.
No período, também visitei locais turísticos em Nova York, Orlando e
Miami, como mostram fotos e vídeos registrados por mim e que estão em
posse da Polícia Federal.
Sobre as videochamadas que a PF alega ter em meu celular com Jair
Bolsonaro, é normal, visto que sou advogado dele e sempre falamos com
frequência. Estão distorcendo as informações e tirando do contexto para
me prejudicar”, disse.
Fábio Wajngarten
Wajngarten, segundo o inquérito, também atuou na tentativa de reaver as
joias após o caso vir à tona, no início de 2023. Hoje advogado de
Bolsonaro, ele foi chefe da Secretaria de Comunicação Social no governo
do ex-presidente e secretário-executivo do Ministério das Comunicações.
Foi indiciado pelos crimes de ocultação de localização, movimentação e propriedade de joias e organização criminosa.
Fábio Wajngarten
Por meio de nota publicada na rede social X (antigo Twitter), Fabio
Wajngarten alegou que atuou como advogado e que, por isso, o seu
indiciamento é uma “afronta legal”. Ele disse, ainda, que que a ação é
“arbitrária, injusta e persecutória”.
Foi indiciado por peculato e associação criminosa.
Osmar Crivelatti
Indiciado por peculato e associação criminosa, Osmar Crivelatti foi
ajudante de ordens de Bolsonaro durante o governo e depois foi nomeado
como assessor pessoal do ex-presidente. Após o fim do mandato,
ex-presidentes têm direito a uma estrutura de seguranças e assessores.
O militar é figura próxima do general Villas-Bôas, tendo sido adjunto do
comando do Exército no período em que o general esteve à frente da
tropa.
Foi indiciado pelos crimes de ocultação da localização, movimentação e propriedade das joias e organização criminosa.
Conforme a polícia, Crivelatti atuou para recuperar e devolver o kit
de joias produzidas em ouro branco e diamantes avaliado em R$ 500 mil
que foi destinada ao acervo privado de Bolsonaro.
A investigação da PF mostrou que o militar assinou, em junho de 2022, a
retirada de um Rolex do "acervo privado" para o gabinete dele.
O relógio, avaliado em R$ 300 mil, foi doado pelo rei da Arábia Saudita,
Salman bin Abdul-aziz em uma viagem oficial e teria sido negociado por
Mauro Cid. A defesa de Crivelatti ainda não se manifestou.
Marcelo Costa Câmara
A PF identificou mensagens trocadas entre o ex-ajudante de ordens Mauro
Cid e o coronel Marcelo Costa Câmara, outro assessor do então presidente
Jair Bolsonaro, na qual eles debatiam restrições à comercialização das
joias.
Segundo as mensagens, Câmara observou a Cid que seria "o problema é
explicar depois para onde foi", referindo-se às joias, que deveriam ser
destinadas ao acervo da Presidência.
Foi indiciado pelos crimes de ocultação da localização, movimentação e
propriedade das joias e organização criminosa. Foi indiciado por lavagem
de dinheiro e organização criminosa. Procurada, a defesa ainda não se
manifestou.
O advogado Luiz Eduardo de Almeida Santos Kuntz, que representa
Câmara, disse em nota que recebeu com “profunda consternação e surpresa”
o indiciamento do seu cliente.
“Importante ressaltar que todas as ações realizadas pelo Coronel,
enquanto exercia a função de assessor do ex-chefe do Poder Executivo e
responsável pelo acervo presidencial, foram realizadas no sentido de
manter total zelo e cuidado com referidos documentos, nos termos da
legislação em vigor, sendo incompreensível a sua inclusão nesta
investigação”.
Marcos André Soeiro
Ex-assessor do Ministério de Minas e Energia, Soeiro carregou na mochila
o kit da marca Chopard, que seria destinado a Michelle Bolsonaro, e foi
retido no aeroporto na chegada ao Brasil, ao retornar da Arábia
Saudita. Foi indiciado pelos crimes de peculato e organização criminosa.
A defesa de Soeiro ainda não se manifestou.
Julio Cesar Vieira Gomes
Ex-secretário da Receita Federal, Gomes assinou um ofício para autorizar
os auditores a liberar os itens de luxo que estavam retidos no
aeroporto. Foi indiciado pelos crimes de advocacia administrativa,
peculato e associação criminosa. Por meio de nota, a defesa disse:
“As conclusões da Autoridade Policial, em relação a Júlio César, são
tecnicamente equivocadas, e não retratam a verdade comprovada no curso
das apurações. Em suas oitivas, Júlio demonstrou que sempre agiu com
boa-fé e em estrito respeito aos ditames legais, jamais tendo praticado
os crimes pelos quais foi, indevidamente, indiciado”.
José Roberto Bueno Junior
Ex-chefe de gabinete do Ministério de Minas e Energia, o militar foi um dos primeiros servidores a se empenhar na mobilização para reaver as joias que haviam sido retidas pela Receita. Segundo a investigação, Bueno enviou um ofício à Receita para reaver joias. Foi indiciado pelos crimes de peculato e associação criminosa. Bueno Junior negou a participação em crimes.
Marcelo da Silva Vieira
Ex-chefe do gabinete de Documentação Histórica da Presidência da
República, era o chefe do departamento responsável por receber os
presentes entregues ao presidente, fazer a triagem e avaliar o que se
tratava de presente pessoal, que seria listado como artigo privado do
presidente, e o que deveria ser encaminhado ao acervo da União.
Ele foi alvo de buscas da polícia em maio do ano passado, ocasião em que o seu celular foi apreendido.
Na investigação, a PF entendeu que Vieira atuou com Bolsonaro, Cid e
Crivelatti para ocultar a origem, localização e propriedades dos
recursos decorrentes da venda dos bens desviados do acervo da União; ou
agiu junto com o grupo para desviar, em proveito do ex-presidente,
presentes “por ele recebidos em razão de seu cargo, ou por autoridades
brasileiras em seu nome, entregues por autoridades estrangeiras”.
Em depoimento no ano passado, Vieira contou que Bolsonaro participou de
um telefonema sobre um ofício de Cid para tentar recuperar as joias
sauditas apreendidas pela Receita Federal. Foi indiciado pelos crimes de
peculato e associação criminosa.
O advogado Luiz Eduardo de Almeida Santos Kuntz, que representa
Vieira, disse que as “ações” do seu cliente foram realizadas enquanto
exercia a função de chefe do Gabinete de Documentação Histórica.
“Foram realizadas no sentido de manter total zelo e cuidado com
referidos documentos, nos termos da legislação em vigor, sendo
incompreensível a sua inclusão nesta investigação”, diz em nota.
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